Retorno
Setembro 21, 2021
Encontrei sobreviventes como eu
de cabelos brancos, braços finos e olhos vagos
falavam espectrais das coisas que sabiam
sorriam amáveis das coisas que eu falava
duvido que fossem capazes de sorrir
se lessem os poemas que tenho escrito
verso a verso, passo a passo, pedra a pedra
construo uma mansão sumptuosa
decorada de vazio cínico minimalista
com mordomo sinistro à porta
chamado Tédio.
parcas são as palavras
mas este poema que calibro revigora
a escrita expelida de olhos fechados
ao abrigo do código penal
do medo omnipresente de
nunca mais poder escrevê-lo
conseguiríamos ser poetas
se não estivessemos ocupados e metidos
nas manobras do medo no mundo
de matéria altamente inflamável
de tortura honestamente imprevisível
o melhor poema ainda é
o que contém um banco de jardim
onde consigas travar os relógios na cabeça
num palácio antigo, com muitos quartos
sombrios onde perduram ecos e poeira
acreditem
o melhor poema é aquele
que foi escrito quando o silêncio o exigiu
de alicerces firmes
depois que escavaste fundo
encontraste água.
a alavanca chamada fim
o mecanismo que tritura palavras
imprimem o ritmo que se entrecorta
trémula gárgula, caligrafia indecisa
no laboratório branco onde conseguimos
identificar se o poema é doente
verso a verso na urina analisada
a tinta permanente permanecerá
próspera mais do que meu corpo
durável, inútil, débil, tíbio
dobro-me, curvo-me, amparo-me
consolido-me, das ânsias de querer
viver a vida que, se pudesse vivê-la deveras
seria dentro de um poema escrito
rebelde a debelar da mão
despótica, invisível