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A Guerra das Letras

O propósito maior

Setembro 28, 2016

Pobre mulher que pensa que nasceu para um propósito maior.

Pobre homem que vive com a mulher que pensa que nasceu para um propósito maior

Pobre gato que vive aos pés da mulher que pensa que nasceu para um propósito maior.

Pobres filhos que cresceram educados a crer que nasceram para um propósito maior.

 

Um cano roto trouxe o dilúvio incómodo à casa da pobre mulher que pensa que nasceu para um propósito maior

e aflita, a pobre mulher chamou um canalizador porque pensa que nasceu para um propósito menor.

Por isso a mulher é pobre por pensar que ela nasceu para um propósito maior

Poetas

Setembro 07, 2016

As pessoas comuns tornam-se poetas

Meu pai foi poeta porque defendeu a pátria

Sem versos ou metáforas de G-3 na mão

a Musa era minha mãe.

 

As pessoas explodem por dentro. Nos olhos

Há sirenes de ambulâncias e um aparato policial

Nos lábios trémulos. as conversas pairam

Como nuvens pardas de borrasca antecipada.

 “Mas ele é meu filho”, gritava a pobre mulher

E não era actriz nem era Shakespeare

nem deusa ou divindade

E havia versos de Virgílio na voz

De Pentesileia, destemida, bélica e pronta

A esventrar qualquer um que a contrariasse

Nas escolhas das roupas do seu único filho

 

O meu pai serviu a pátria, disse

Não fala muito sobre isso

Não quer falar sobre isso

E cada dia que passa

Vai querendo não falar sobre tudo

 

Como posso eu querer falar de Poesia?

Página arrancada dum diário

Setembro 06, 2016

Não fui ao pão como todos vão nos diários.

Minha cabeça rodopiava como um pião

Lançado com punhos de oceanos

Girando sem parar, como o Paraíso Perdido

De Milton que não soube parar

E ainda escreveu outro Paraíso 

Sem o merecermos.

 

Não fiz muita coisa. Fui boémio nas tarefas

Deixei as portas do meu cansaço escancaradas

Cheguei a sentir febre sem suor na pele

Por dentro, a queimar-me como fogo

Vil nas bibliotecas da antiga Alexandria.

 

Os amigos eram um horizonte,

Difícil de alcançá-los. Sonhei

Que era espião russo sentado numa esplanada

Que espiava uma modelo alemã

Gelada numa caneca de vidro.

 

Acordei de noite, pensava que era dia

E quando adormecia vagamente já era tarde

Para promover as ânsias do fogo

As lâminas da angústia, o ardor da razão.

Os livros dormiam nas prateleiras

Mas não esboçaram sorrisos ingénuos

E era o caos, um fim do mundo

Na minha cama. Havia nos lençóis de linho

Vestígios de pele, dum fungo qualquer

Que a minha alma foi deixando

Ou corpo, nem sei, e pensei em Shakespeare

Que desconfio que escreveu Vénus e Adónis

Numa noite. E adormeci. E não sonhei.

E não escrevi.

O livro

Setembro 01, 2016

Um livro pousado na mesa

revólver de Hemingway

Apontado na minha direcção.

Não posso ler.

Meu Deus, não posso ler

É proibido.

Mas que vontade 

Premir o gatilho.

Clube dos Poetas Mortos

Setembro 01, 2016

Perguntam-me às vezes qual o meu clube

sorrio e respondo: «Clube dos Poetas Mortos».

Cabisbaixos, seguem caminho.

 

Mas há também Clubes dos Poetas Vivos

marcam encontros em esplanadas e cafés

são tertúlias poéticas (assisti de longe)

como longas reuniões de negócios de laços difíceis.

Declamam versos, reclamam glórias

passam poemas que vão de mão em mão

como fotografias de casamento. De súbito

um deles, com ar respeitável, olhava para mim

Viu-me escrever e pensei que talvez pensasse

Que seria possível juntar-me ao banquete de poesia.

 

Não, sou sozinho.

Só. E os meus poemas

São a minha roupa interior,

que não exibo.

 

E se te aprontas, vago leitor

de apupá-los de ridículos

mesmo que tenhas razão (e talvez tenhas razão)

grito-te aos ouvidos com pulmões de oceano

os versos escritos por eles e por mim

os versos escritos por todos os poetas

os versos escritos por todos os artistas:

 

“Vem aí a Morte”

Insónia

Setembro 01, 2016

Dormes, entregaste-me à noite que me parece uma

Aldeia inabitada onde memórias das pessoas

Empilhavam-se e empurravam-se vegetando

Como cadáveres expostos ao sol dos sentidos

 

Meu amor de olhos amazónicos, estás protegida

Não por mim, mas de mim, que estou doido

Desde o dia em que incendiei o sofá de minha avó

Numa vida fácil de cadernos pautados de azul

 

Dormes, invejo-te o sono, porque durmo de dia

Embatendo nos bons dias dos desconhecidos

Morrendo nos elevadores, os elevadores vazios

 

Quero acordar-te para falarmos de ti

E ver teu sorriso perfeito de algodão doce

Cama de infância onde rapidamente adormecia

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